MANIFESTACÕES NO BRASIL, COPA, OLIMPÍADAS, PEC 37, VINTE CENTAVOS E OS BESTIALIZADOS

Estão acontecendo manifestações por todo o Brasil, e até no exterior, desde as últimas semanas, o que alguns estão chamando de o ‘maior movimento democrático do país nas últimas décadas’. O que começou com protestos contra o aumento das passagens de ônibus acabou levando às ruas milhares de pessoas que tentam demonstrar seu descontentamento. Descontentamento?... 
Descontentamento é a palavra mais usada nos noticiários nacionais que falam sobre as manifestações que estão ocorrendo em mais de 10 capitais, no interior dos Estados e também em outros países, como nos Estados Unidos, e fez com que o Brasil fosse manchete nos jornais em todo o mundo. Mas, descontentamento não é a palavra que explica tudo, ou fornece todo o significado do que ocorre no Brasil nos dias atuais. Afinal, muitas pessoas se perguntam, dentro e fora do país, o que está ocorrendo, de onde saiu tudo isso, de uma hora para outra? De uma hora para outra?... 

Alguns jornais estrangeiros também arriscam seus ‘palpites’, como o francês Le Monde, que afirma que essa é a mobilização popular mais importante desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. A rede britânica BBC destaca que os protestos se espalharam por várias capitais e que muitos se deram conta de que o dinheiro investido na Copa do Mundo e na Olimpíada poderia ter sido usado na saúde e na educação. 
Ao fazer uma análise um pouco mais detalhada da história, sem a necessidade de um conhecimento profundo da trajetória do Brasil (bastando um pouco de boa vontade), chega-se a conclusão de que não se trata de descontentamento, nem de comparação com o movimento do impeachment do ex-presidente Collor, muito menos de que a população brasileira ‘se deu conta’ dos gatos com a Copa e com as Olimpíadas. Os protestos nas ruas por ocasião dos eventos esportivos que ocorrem e ocorrerão no Brasil, não é algo surpreendente. Os brasileiros ‘não se deram conta’, como disse erroneamente a rede BBC, como se tivessem sido surpreendidos com tais gastos. Os brasileiros já sabiam dos gastos, e a maioria foi contra desde o início. Não foram pegos de surpresa com os investimentos financeiros, nem os protestos por causa disso também é surpresa. Isso era algo anunciado há muito tempo pelas redes sociais. 
A maioria dos brasileiros (apesar de gostar muito de futebol) preferia que fossem construídos hospitais e escolas, que houvesse melhoria na educação e na segurança pública. Os brasileiros já vinham reclamando de tais despesas há muito tempo. Assim como as vaias à Presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa das Confederações, também já era de se esperar. 

Nem descontentamento, nem comparações com outros momentos históricos. Nada disso que está acontecendo é surpresa. 

Um país é como uma pessoa, que também se desenvolve e amadurece; busca crescimento e solidez financeira e em suas relações como outros países. Fases de crescimento e amadurecimento ocorreram e ocorrem em todos os países do mundo, em todas as nações e povos. Isso faz parte do processo histórico de formação da identidade de uma comunidade para que possa se sentir como nação. E é algo cíclico, que acontece em qualquer população, independentemente do seu tempo de história. 

Existem muitos castelos na Europa que possuem mais idade que o Brasil. Este país é jovem e está se descobrindo, através da democracia que lhe foi privada por tantos anos. Descobrindo que pode, deve e deseja participar do seu destino. Este ‘jovem’ quer estar a par da administração do transporte público, exigindo transparência. Não deseja que se retire do Ministério Público seus poderes de investigação (Pec. 37); quer reformas tributárias para deixar de pagar um dos impostos mais caros do mundo; quer o fim da corrupção; quer educação de qualidade para poder sustentar um país que cresce sem mão de obra qualificada; quer o fim da violência e da insegurança; o fim da impunidade; o fim dos aumentos abusivos dos salários de deputados e senadores. Enfim, não quer mais  ficar assistindo a tudo Bestializado. 

‘’Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi’’ é o título de um livro do professor e historiador José Murilo de Carvalho. Ele retrata o momento em que o Brasil se torna república com a falta de intervenção do povo, que assiste a tudo e alheio, fazendo com que estudiosos o chame de “bestializados”. E o povo ficou bestializado com a instituição da República, sem saber de nada, à margem das decisões de transformar uma Monarquia em República. Assim como também ficou bestializado com a independência do Brasil de Portugal, onde de um dia para o outro uma nação inteira se tornou independente. E bestializado sempre ficou ao longo de sua história. 

A história do povo brasileiro é uma história de gente bestializada, boquiaberta, pasma, alheia aos destinos de seu próprio país. As vezes em que o povo saiu às ruas, sempre foi com muita repressão, afinal não se pode esquecer dos recentes anos de ditadura, já que é comum, infelizmente, esquecer-se da história mais antiga. Mas os tempos, a história e os povos mudam... 

Existe uma propaganda de uma marca de carro que está sendo veiculada no Brasil nestes dias, convidando o povo para festejar a Copa nas ruas, que diz: ‘’vem que a rua é a maior arquibancada do Brasil!’’ Na verdade, trata-se de uma música do ''O Rappa'', que também diz: ''...que o Brasil vai tá gigante, grande como nunca se viu...''
Ficou realmente bonito ver o povo nas ruas nesses últimos dias! Um povo que deixou de ser bestializado, de ficar somente pasmo e de braços cruzados diante de seu próprio destino, traçado pelas mãos de uma minoria acostumada com os seus antepassados a mandar e o povo a obedecer calado, bestializado. Tirando uma minoria baderneira, que mais quer expor suas frustrações pessoas, que o desejo de um povo, está sendo lindo ver que a rua é a maior ‘arquibancada’ do Brasil, sim! Também é bonito ver a Presidente Dilma e outras autoridades apoiando a atitude democrática e pacífica. Esse reconhecimento das autoridades é uma prova do amadurecimento democrático de um país. 

Construíram e reformaram estádios, ao invés de hospitais e escolas, deixando o povo de fora, sem poder pagar os caros ingressos da FIFA; e o povo mostrou que a rua é a sua ‘arquibancada’. Sim, a rua é a maior arquibancada do Brasil! Agora dá para entender que o povo não saiu às ruas de um dia para o outro, sem um motivo, ou somente por vinte centavos (o preço do aumento da passagem do ônibus). Não saiu na época do ‘fora Collor’ somente para mostrar a cara pintada de verde e amarelo. 

O que não pode ocorrer é tudo cair no vazio. Na manifestação pela manifestação, ou agir com vandalismo e destruição. Isso é para a Idade Média, não para os dias de hoje, onde estamos todos no mesmo barco, uma grande comunidade, em um país lindo continental, com um povo jovem que quer crescer ainda mais, lado a lado com seus governantes, eleitos por ele mesmo, e destituídos por ele mesmo se for o caso. Isso é democracia. 

Ainda há muito a crescer e a aprender. Mas não somos mais bestializados.













O apoio das pessoas nas janelas.



O pai prepara o filho para o protesto.



Os moradores pedem paz.

''Enquanto você se ilude com a TV, estamos consertando o país! Desculpe pelo transtorno! O Brasil acordou.''
''Sem luta não há conquista.''


Fotos: Folha de São Paulo.

Raquel Michelline

Comentários

  1. oi Raquel, que texto perfeito, você conseguiu colocar no papel, tudo o que também estou sentindo e percebendo...só espero que esta manifestação que era para ser um ato lindo, de um povo que quer que haja uma mudança de verdade em todos os setores da sociedade, não acabe pelas mãos dos que querem apenas causar vandalismo e violência. Parabéns pelo texto!

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  2. Obrigado pela visita e pelo comentário!
    Vamos torcer e contribuir para que algo de muito bom saia de tudo isso!

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