VERDADE, ESSÊNCIA E APARÊNCIA

O ser humano vive uma crise de identidade. E até mesmo as pessoas mais certas e seguras de si têm enfrentado sérias dúvidas se a sua forma de viver e sentir a vida estão de acordo.
De acordo com o quê? Qual o parâmetro? Qual é a verdade?

Zygmunt Bauman, 89 anos – sociólogo polonês – que tem sido conhecido por seus estudos sobre a “Modernidade líquida”, diz que a modernidade significa modernização obsessiva, viciante, compulsiva. É não aceitar as coisas como elas são, e sim transformá-las em algo que consideramos como melhor. Modernizamos tudo. Nada tem uma forma definida por muito tempo. Isso é o mundo líquido.

O início dessa modernidade é difícil datar pelos sociólogos. Mas deu-se com certeza lentamente, e agora tem desenvolvido uma velocidade assustadora. É a comida do momento, o detox da vez, e até a ideologia ou o estilo de vida mais usado pelas celebridades, mas estas, também, do momento.
As coisas, os eletrodomésticos, os aparelhos digitais, os iPhone’s, as marcas, precisam mudar. É preciso, para o ‘bem de todos’, que o mercado gire. E tudo como uma grande correnteza, faz com que o ser humano também se veja obrigado a se alterar, violentado a mudar. Porque se não, ele será substituído por outro mais moderno, mais ‘antenado’, conectado. Bauman diz que as pessoas não estão comprometidas com nada para sempre, mas prontas para mudar em qualquer momento em que sejam requisitadas. Para ele, o que acontece com os objetos materiais, funciona da mesma forma com as relações pessoais e com a própria relação que temos conosco mesmos. Somos transformáveis e temos medo de qualquer coisa que dure para sempre. Até os governos nos convocam a sermos flexíveis.

Ao ler Fernando Pessoa, Shakespeare, filósofos da antiguidade, pensadores que conseguiram expressar a natureza humana, percebe-se que o homem em seu interior continua o mesmo, embora a sociedade tenha mudado.  Ele incorpora as mudanças que fazem a economia global girar. Por isso, costumeiramente, associamos o carro ao dono, e não o dono ao carro. Primeiro olha-se o aparelho, e depois, o dono do aparelho.

Não é mais permitido momentos de solidão, ou solitude, sem que isso seja confundido com infelicidade. Não é mais aceitável possuir um objeto que não seja o último modelo, pois isso traduz fracasso social.  Não ter as coxas e o bumbum exigidos é não ser atraente. O ser complexo, formado de emoções, sentimentos, espírito e razão está materializado. O exterior tem valido mais que o interior. E essa inversão de valores tem cobrado um preço alto.

O efeito da aparência sobre o cérebro é o mesmo da droga. Traz a sensação momentânea de prazer, alegria, euforia. Mas o efeito é passageiro. Dura até o próximo lançamento de alguma outra coisa. E tão devastador quanto, pois nada pode suprir a sensação de prazer que a aparência proporciona, e o indivíduo faz tudo para mantê-la.

Viver sob o poder da aparência tira de nós o nosso eu real, pois temos que mostrar apenas o nosso lado ‘vendável’ - aquelas características pessoais que estão na moda – e esperamos o mesmo do outro. As demais características, por melhores que sejam, podem não agradar, podem parecer antiquadas e pobres.  Assim, aos poucos esquecemos quem somos. Esquecemos quem é o outro pra nós. Multiplique isso por milhares de pessoas e temos uma sociedade líquida, doente e adoecedora. Afeita a ser produto e a tratar o outro como tal.

A aparência fere a essência. E esta é o que há de verdadeiro e honesto no ser humano. Quando a essência é ferida, o homem se torna carente, pois a essência é o que o representa de fato. A essência é o que somos. Quando vivemos por muito tempo sob o poder da aparência, esquecemos quem somos, perdemos nossa identidade. Tornamo-nos infelizes. Por isso somos a ‘geração deprimida’.
Uma mentira contada muitas vezes, sem nunca ser desmentida, torna-se em “verdade”, e todos acreditam nela.
Raquel Michelline


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