UMA JOVEM DEMOCRACIA

Em 5 de outubro de 2012 nossa Constituição Federal comemorará 24 anos. Parece que foi ontem que olhávamos a TV e víamos aquela multidão de gente reunida nas ruas exigindo “Diretas Já”, quando não, estávamos lá. Todo mundo estava lá, artistas, políticos, jornalistas, escritores e o povo nas ruas. Todo mundo junto como se fosse um único cidadão brasileiro. Depois disso, existe na memória histórica do país, a imagem do velho Ulysses Guimarães promulgando a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, dizendo: “Declaro promulgada. O documento da Liberdade, da Dignidade, da Democracia, da Justiça Social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra”.

E lá se vão 23 anos...

A nossa democracia é jovem. Muito jovem! Principalmente se a compararmos com as de outros países historicamente democráticos, onde o povo já aprendeu a reconhecer seus valores e o seu próprio valor. Quem sabe este seja o grande diferencial entre nós e os outros países com os quais vivemos nos comparando, assim como faz o irmão mais novo que quer imitar o mais velho. Entretanto... quanto caminho ainda teremos que trilhar! Enquanto povo... quanto teremos ainda a aprender!

O Brasil já possuiu sete Constituições desde que Cabral pôs os pés aqui em 1500. De 512 anos de história, o nosso maior período democrático tem apenas 23 anos e é este que vivemos! Das sete Constituições, apenas quatro foram promulgadas, as outras três foram todas outorgadas, ou seja, impostas ao povo.

Para um entendimento didático, uma Constituição (a lei Maior de um país, a que todos devem obediência) é dita Promulgada quando os cidadãos com direitos políticos podem votar, direta ou indiretamente, através de representantes eleitos por eles, para se elaborar a Constituição. Já a Constituição Outorgada é a autoritária, arbitrária, imposta ao povo por alguém ou por uma elite dominante que coloca nela os seus interesses.

Para esclarecer melhor o que isso representa para o nosso dia a dia, o que isso tem haver com o nosso pão de cada dia e com a nossa vida à brasileira, abaixo segue um quadro das Constituições:

-A primeira Constituição brasileira (1824) foi Outorgada. Era para ser promulgada, mas D. Pedro I mandou invadir o Plenário em 12 de novembro de 1823, e posteriormente impôs ao povo a sua Constituição.

-A segunda Constituição brasileira (1891) foi Promulgada. Mas o interessante é que apenas 5% da população brasileira pode fazer parte de sua elaboração, pois não podiam votar os analfabetos, os menores de 21 anos, as mulheres, os monges, e os praças das Forças Armadas. Ou seja, quase ninguém. E a Constituição de 1891 praticamente não foi representada pelo povo.

-A terceira Constituição brasileira (1934 - 1937) foi Promulgada. E teve o período mais curto da história (3 anos), mas oficialmente vigorou por apenas um ano, pois foi suspensa pela Lei de Segurança Nacional.

-A quarta Constituição brasileira (1937) foi Outorgada por Getúlio Vargas e imposta ao povo.

-A quinta Constituição brasileira (1946) foi Promulgada. Era bem avançada para a época, mas em 1964 ocorre o Golpe Militar e esta Carta Magna passa a receber uma série de Emendas que a descaracterizou completamente. Acabou sendo suspensa por seis meses pelo AI 1.

-A sexta Constituição brasileira (1967) foi Outorgada, imposta oficialmente pelo AI 4 (Ato Institucional número 4) pelos Militares ao povo.

-Finalmente, a Constituição de 1988, foi Promulgada, representando o período democrático mais longo da história.

Na prática, isso significa que somos jovens e ainda não temos uma história democrática que nos ensine a agirmos de modo a assegurarmos os nossos maiores valores, como o direito à vida com dignidade, à saúde e educação de qualidade. Note, que o grande problema social do Brasil não é a pobreza. Somos um país de grandes riquezas. O nosso mal é a péssima distribuição de renda, a corrupção voraz, os interesses de uma minoria em detrimento da maioria e a péssima gestão dos governantes. Já crescemos muito! Já mudamos muito! Mas só seremos efetivamente um país digno de sua gente, quando a jovem democracia adquirir sua própria personalidade. Adquirir sua consciência democrática de voto e entender que quem está no poder é uma jovem democracia de 23 anos que deve ser respeitada. Ao contrário de uma Constituição promulgada que possui data de nascimento, a democracia é um processo de afirmação, fruto do seu próprio exercício que se manifesta sempre que o povo entender que os seus direitos, valores e princípios constitucionais foram, estão ou serão desrespeitados.

O cerne de uma democracia não é somente o voto consciente, mas é o direito de retirar do poder, ou retirar o poder, daquele ou daquilo que não serve aos interesses da coletividade.

Ao analisarmos a alternância das Constituições entre promulgadas e outorgadas, ao recordarmos sobre o povo nas ruas, as caras pintadas, os mártires do período militar e de tantos outros períodos da história, percebe-se claramente que: como democracia temos que romper com o passado, com a tradição oligárquica, e perceber que o perigo pode estar logo ali, porque o sinal pode se fechar para nós que somos jovens.

Viver é melhor que sonhar com um futuro melhor.

Não faz muito tempo (pois ainda não temos tradição) havia gente jovem reunida nas ruas com cabelo ao vento. Mas cuidado... os nossos ídolos ainda são os mesmos. A nossa luta é para que o novo sempre venha.

Você pode até achar que é invenção e pra que tanto blá blá blá nesse país? Mas na verdade, cuidado, o nosso discurso deve ser condizente com a prática, ou seremos o mesmo povo de antes. E apesar de fazermos tudo, tudo, tudo, tudo o que fizemos, ainda seremos os mesmos.

Raquel Michelline