O QUE É INTERVENÇÃO FEDERAL
Esta semana,
em 16 de fevereiro de 2018, o Presidente do Brasil, Michel Temer, assinou, e fez
entrar em vigor, o Decreto de Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro. E
o tema que era até então desconhecido da maioria dos brasileiros, passou a ser a
curiosidade de muitos. Esta matéria não se propõe a tecer comentários sobre as
questões políticas e sociais que levaram ao Decreto de intervenção, embora, historicamente,
de maneira gritante elas existam, mas o objetivo por hora, é dar um pequeno
entendimento jurídico-doutrinário sobre o tema, de forma didática e
descomplicada para que qualquer pessoa possa entender.
INTERVENÇÃO –
ASPECTO HISTÓRICO
A intervenção
não é novidade na história do mundo. Nos mais diversos povos e épocas, a
necessidade de intervir, seja do rei, do ditador, do governante democrático, em
situações específicas que fogem à normalidade (ou do que se entende por
normalidade), sempre ocorreu.
Dentro de um
Estado democrático, a intervenção surgiu nos Estados Unidos, na Constituição de
1787, no seu artigo 4°, para garantir a ordem interna daquele país. Porém, ao
contrário do Brasil, os EUA nasceu da união de entes que até então eram independentes
e que se uniram federativamente sob a égide de um poder central, mas
permaneceram com muitas características político-administrativas próprias de
cada um. No Brasil, o instituto da Intervenção federal ocorreu pela primeira
vez na Constituição de 1891, pois foi também nesta que surgiu a forma
federativa de Estado, dividindo descentralizadamente o país em entes federativos,
tal qual como o conhecemos. Nosso país, diferentemente dos EUA, sempre foi uma
nação com poder centralizado, e que por ocasião da Proclamação da República,
descentralizou-se em entes federativos. Embora o instituto em questão tenha
surgido nos EUA, a Constituição de 1891 teve inspiração na Constituição
argentina de 1853 para criar esse instituto no nosso meio.
Mas o que
significa ser um Estado federativo? De forma simples, pode-se dizer, que
trata-se de um Estado, país, ou nação que tem soberania frente a outras nações,
e que internamente o poder é descentralizado. A Constituição de 1988
estabeleceu os poderes da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios.
Esse sistema é complexo, pois temos um território vasto, com uma população
numerosa, com três esferas de governos, e historicamente, uma nação de poder
centralizado. Diante desse quadro, a CF/88 estabeleceu competências que são específicas
de cada ente, mas há também um entrelaçamento dessas competências para que
possa ocorrer a viabilização da administração de um modo geral. A CF estabelece
competências e autonomia aos entes federativos: União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, e isso deve ser respeitado por todos os entes, sendo que
nenhum deles pode intervir na competência e autonomia do outro. A exceção a
essa regra, que chega a ser um princípio, é exatamente a intervenção.
O QUE É
INTERVENÇÃO
Intervenção é
um instituto constitucional, e reside na CF/88, nos artigos 34 a 36, podendo
correr tanto a intervenção federal da União nos Estados e no Distrito federal,
e bem como, a intervenção estadual dos Estados nos Municípios. Todavia, a
intervenção não pode se dar diante de qualquer situação mais complicada que se
apresente, pois os Estados e Municípios possuem autonomia conferida pela
própria CF, e isso deve ser respeitado pelos demais entes, sob pena do ato de
intervenção se tornar inconstitucional, e qualquer manifestação
inconstitucional deve ser prontamente reprimida, pois isso fere os princípios
basilares de uma nação, pois os direitos do povo e os poderes estão
resguardados pela sua Lei Maior. Portanto, o princípio é a NÃO INTERVENÇÃO, e a
exceção é a intervenção.
Conceitualmente,
pode-se dizer que a intervenção é um instituto de natureza constitucional em
que um ente da federação, diante de casos específicos elencados pela
Constituição, e mediante poderes e limites interventivos dados pela Carta Magna,
interfere, temporariamente, sobre um dos aspectos da autonomia de outro ente,
para restabelecer a normalidade constitucional. Todavia, essa afirmativa de que
a intervenção deve se dar apenas sobre um dos aspectos da autonomia do ente,
não é unânime, visto que a CF não concede detalhes, mas é necessário o entendimento
nesse sentido, para que se resguarde o país de graves inconstitucionalidades.
O conceito dado por
Alexandre de Moraes é o seguinte: “é a medida excepcional de supressão
temporária da autonomia de determinado ente federativo, fundada em hipóteses
taxativamente previstas no texto Constitucional, e que visa à unidade e preservação
da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do
Distrito Federal e Municípios”. Já para Afonso da Silva, intervenção é um “ato
político que consiste na incursão da entidade interventora nos negócios da
entidade que a suporta.”
Não vamos aqui tecer comentários sobre a natureza jurídica da intervenção, fazendo apenas menção de que a doutrina se divide no entendimento de que seja ela medida política, ou medida de segurança.
Não vamos aqui tecer comentários sobre a natureza jurídica da intervenção, fazendo apenas menção de que a doutrina se divide no entendimento de que seja ela medida política, ou medida de segurança.
Didaticamente,
vejamos alguns pontos importantes dados pela CF sobre intervenção, e ao final
desta matéria, segue na íntegra os dispositivos constitucionais:
- A
intervenção pode se dar da União sobre os Estados e Distrito federal
(intervenção federal), e também, pode se dar dos Estados sobre os municípios
(intervenção municipal).
- É ato
excepcional, pois excepciona o princípio da autonomia dos entes federativos.
- A
intervenção é temporária e taxativamente nos casos elencados pela CF.
- A intervenção
se dá pelo instrumento de Decreto do Chefe do Poder Executivo, o que após,
deverá ser submetido à apreciação do Congresso Nacional no prazo de 24 horas,
que poderá aprovar ou rejeitar a intervenção.
- Nomeação de um interventor.
- Nomeação de um interventor.
- A
intervenção pode se dar por iniciativa de ofício pelo Chefe do Poder Executivo,
ou mediante provocação dos legitimados constitucionais.
DIFERENÇA ENTRE INTERVENÇÃO, AUXÍLIO DAS FORÇAS ARMADAS, ESTADO DE
DEFESA E ESTADO DE SÍTIO
Não se pode confundir a intervenção no Rio de Janeiro, com o que já
vinha ocorrendo com a atuação das Forças Armadas naquele estado. Neste caso, o
que ocorria era um auxílio das Forças Armadas à manutenção da segurança pública,
mas esta permanecia sob o poder do governo do estado. No caso da intervenção, o
governo do Rio de Janeiro deixa de administrar totalmente a segurança pública,
e isso fica a cargo da gestão federal.
Também não se pode confundir intervenção com dois outros institutos
constitucionais, o Estado de defesa e o Estado de sítio. A intervenção é sim
uma medida drástica, porém, bem mais branda que aqueles dois últimos,
estabelecidos na CF em seus artigos 136 a 139. Nesses casos de Estado de defesa
e Estado de sítio, muitos dos direitos e garantias constitucionais aos cidadãos
são suspensos, como por exemplo, a liberdade de reunião, o direito de ir e vir,
o sigilo de correspondências, dentre outros.
A INTERVENÇÃO
FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
A intervenção
no Rio de Janeiro é federal, foi decretada pelo Presidente Michel Temer, mediante
Decreto assinado em 16 de fevereiro de 2018, com entrada em vigor a partir da
publicação, e para continuar valendo, necessita de aprovação pelo
Congresso Nacional. É a primeira intervenção após a Constituição de 1988, e se dá com
base no inciso III do artigo 34 da CF, para “pôr
termo a grave comprometimento da ordem pública”. A intervenção, segundo o
decreto, durará até 31 de dezembro de 2018, e serve para gerir a segurança
pública no estado, que deixa de ser administrada pelo estado do Rio de Janeiro,
e passa para o governo federal, que é representado por um interventor nomeado, o
General do Exército Walter Braga Netto, que lidera o Comando Militar do Leste
(Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo), e terá a responsabilidade do comando da Secretaria de
Segurança, das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e do sistema
carcerário no estado do Rio. Há de se reiterar que a intervenção se dá
sobre determinado aspecto da autonomia do ente, e no caso do Rio de Janeiro,
somente no que tange à segurança pública. Mas como visto, há controvérsia sobre
esse entendimento, pois a CF não concede detalhes, e há razões para se temer
que a intervenção no Rio de Janeiro extrapole a área da segurança pública.
Há também que se notar uma peculiaridade quanto a esta intervenção, isto
porque, enquanto durar uma intervenção, não se pode realizar alteração na Constituição
Federal, o que levaria ao impedimento da votação da Reforma da Previdência...
Sim, aqui cabe as reticências, pois o governo Temer informou nesta
sexta-feira (16) que pretende anular a intervenção federal no Rio de Janeiro
momentaneamente, com objetivo de votar a Reforma da Previdência. Mais uma
vez, cabe relembrar a proposta da matéria, que é a de simples esclarecimentos
sobre intervenção sob o ponto de vista jurídico-doutrinário, e não descer a
comentários mais críticos, que por sinal, são muitos, como por exemplo, o fato
do interventor ser militar e não civil ... Mais uma vez, cabe as reticências.
Mas, finalizando, com ou sem reticências, o objetivo da matéria é
esclarecer, e salientar o fato de que o respeito à Constituição Federal é o único
caminho para o desenvolvimento e amadurecimento deste país. Ela é o nosso
Norte, a pedra fundamental. Sem esse respeito, todos nós perdemos, como
cidadãos, como governantes, e principalmente, como nação. Não dá pra brincar
com isso, e o cidadão deve estar bem ciente
dos institutos constitucionais, pois são suas únicas garantias.
Dispositivos constitucionais:
Art.
34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I
- manter a integridade nacional;
II
- repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III
- pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV
- garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V
- reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a)
suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos,
salvo motivo de força maior;
b)
deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta
Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI
- prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII
- assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a)
forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b)
direitos da pessoa humana;
c)
autonomia municipal;
d)
prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e)
aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,
compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento
do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
Art.
35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados
em Território Federal, exceto quando:
I
- deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a
dívida fundada;
II
- não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III
– não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)
IV
- o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a
observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a
execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
Art.
36. A decretação da intervenção dependerá:
I
- no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder
Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se
a coação for exercida contra o Poder Judiciário;
II
- no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do
Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal
Superior Eleitoral;
III
- de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do
Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa
à execução de lei federal. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 1º O decreto de
intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e
que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso
Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro
horas.
§
2º Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa,
far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas.
§
3º Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação
pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á
a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao
restabelecimento da normalidade.
§
4º Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos
a estes voltarão, salvo impedimento legal.
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